Para compreender os caprichos do tempo é preciso entender antes o que ele é. E adivinhe só: do ponto de vista científico, o tempo não existe: seria uma invenção humana para situar o ponto em que vivemos e explicar as mutações do Universo. Mas, como em todo criação, qualquer subjetividade está para lá de autorizada. E é assim que vamos compreender essa história de que para alguns o tempo voa e para outros o tempo se arrasta.
Essa noção flutua até no dia a dia, de acordo com o humor, ora para um lado, ora para outro. Tente pensar no seguinte exemplo: 45 minutos no aeroporto esperando o namorado parecem intermináveis. Mas os mesmos minutos com esse namorado escorrem rapidamente entre os dedos. Como é uma percepção construída pelo cérebro, o templo é influenciado pela quantidade de coisas que vemos, estamos fazendo ou sentindo. E, como é impossível absorver o tanto de informações que recebemos num dia, ficamos com a sensação de atraso.
Embora afete gente de todo o planeta, o que já suscitou a hipótese de uma aceleração do Universo, os físicos logo avisam: a Terra continua em seu ritmo. Essa percepção é um processo absolutamente psicológico.
Não bastasse a sensação de estar perdendo o bonde, há uma reclamação geral de que o tempo nunca é suficiente para tudo o que precisamos realizar. Um dos motivos para tanta ocupação é a tecnologia – aquela criada para nos poupar tempo, lembra? Pois é, pura ficção. A tecnologia não economiza segundos, só ajuda a resolver as coisas rapidamente. Acontece que as pessoas são pressionadas a trabalhar mais e encaixar outras atividades no mesmo período. Será que o tiro saiu pela culatra?
Tem mais, o progresso que nos desvencilhou de certos afazeres também multiplicou as opções de diversão. Podemos até ter muitos prazeres a serem vividos. Mas, se o dia continua com 24 horas, vai faltar horário para tanta coisa. Além disso, quando temos muitas opções, ficamos com angústia da escolha, que é uma aposta para ganhar ou perder. E aí vem a indecisão, consumidora voraz de nossas preciosas horas.
Tomar decisões rápidas, fique bem entendido, não significa agir precipitadamente. A precipitação é uma consequência tora do período pós-Revolução Industrial, que criou a intenção de fazer tudo em ritmo acelerado – e simultaneamente. O lado ruim desse pensamento é que começamos a imprimir a mesma velocidade às emoções. Passamos a adiantar sentimentos e atropelar ideias.
Reverter essa situação é uma saída mais prazerosa e produtiva, pois muito estresse poderá ser evitado. Hoje, o tempo cronológico é a única perna que nos move. Precisamos reconquistar a outra perna, a do tempo interno, do sentir. O tempo interno é o caminho para esticar o cronológico – que está em falta e que nos massacra.
Alguns podem até ter a ilusão que no campo o tempo transcorre de forma mais lenta que nas cidades. No campo, os momentos são marcados pela inspiradora batida da natureza, é verdade. Mas engana-se quem achar que isso está muito longe da vida na metrópole. Monja Coen diz: “Também temos céu e pôr do sol na cidade. O que acontece é que não olhamos para isso”. Ela completa: “A Terra está girando e nós giramos com ela. Então, o tempo não passa nem muito rápido, nem muito devagar. Mas do jeito que tem de ser”. Quando entendemos essa lei, reduzimos a ansiedade. O tempo transcorre na velocidade que é devida. Em outras palavras, apesar de tudo que fazemos para justificar que o relógio não é mais aquele, a única certeza é que os ponteiros mantém-se no mesmo ritmo.
ACERTE SEUS PONTEIROS
- Proteja seu tempo livre. Isso significa não entupir o final de semana com atividades que você já sabe que não poderá cumprir. Às vezes, é necessário simplesmente ficar sem fazer nada – uma arte que merece atenção.
- Solucione os pequenos problemas do cotidiano em vez de deixar que eles se acumulem. O que levar menos de dois minutos para concluir, faça já! Chame o encanador, coloque os livros no lugar, leve a roupa para a lavanderia. Assim, sobra mais tempo para tomar as decisões que exigem tempo e reflexão.
- Entre uma atividade e outra, respire e faça uma pausa. Não adianta engatar a quinta marcha e sair feito um louco. É preciso desacelerar.
Tome consciência de quantos minutos você demora nas atividades mais triviais, como tomar banho ou comer. E reserve espaço para executá-las sem correria. Assim você toma posse do seu tempo pessoal.
- Poucas pessoas conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo sem sentir desconforto. Se você não é uma delas, priorize. Se tem três tarefas para fazer, escolha a mais importante e vá até o fim. Se não se focar em uma, não vai concluir nada e aí sim terá desperdiçado tempo.
- Preste atenção em seus limites e tente obedecer seu ritmo. Como se a vida fosse sua parceira de dança e tivesse que acertar o passo para curtir a música.
Fonte: Bons Fluidos, Ed. 53, editora Abril
Tempo interno, tempo externo e todo tempo que o tempo tem:
FORÇA ESTRANHA
(Caetano Veloso)
Eu vi um menino correndo
Eu vi o tempo brincando ao redor
Do caminho daquele menino
Eu pus os meus pés no riacho
E acho que nunca os tirei
O sol ainda brilha na estrada e eu nunca passei
Eu vi a mulher preparando outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou
Por isso uma força me leva a cantar
Por isso essa força estranha
Por isso é que eu canto, não posso parar
Por isso essa voz tamanha
Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista
O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece
Aquele que conhece o jogo, do fogo das coisas que são
É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão
Eu vi muitos homens brigando, ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada vontade encoberta
E a coisa mais certa de todas as coisas
Não vale um caminho sob o sol
E o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol
Por isso uma força me leva a cantar
Por isso essa força estranha
Por isso é que eu canto, não posso parar
Por isso essa voz tamanha
Formas de pagamento